quinta-feira, março 02, 2006

Follow your gutt!

Ontem de noite estava com a fisgada de retomar a minha rotina dos últimos tempos e ir ver um filme ao cinema (ultimamente ando muito menos assíduo e tenho tanto filme por ver...). O plano era chegar a casa, largar o computer, fazer algo de comer e por uma roupa mais cómoda para o serão cinematográfico. Tudo bem até ao momento de fazer algo de comer. Quando a escolha é pouca entre coisas quase feitas, as possibilidades de combinações entre o que existe pela dispensa e pelo congelador tornam-se múltiplas e desafiantes. Fico completamente indeciso sobre o que fazer para agradar às minhas papilas gostativas quando tenho de decidir pela imensidão de combinações possíveis. E o chato disto tudo é que para ultrapassar esta indecisão levo mais tempo que para escolher um CD quando não sei o que me apetece ouvir - ou seja, uma eternidade. Mas a proximidade horária das sessões de cinema a que queria assistir obrigava a uma escolha por algo célere na concepção. O problema é que, mesmo às pressas, gosto de satisfazer as necessidades das papilas gostativas e não ficar pela solução mais simples.

Uma das soluções mais viáveis seria uma massa com alho e azeite... mas no jantar da véspera já tinha sido esse o manjar (com umas tiras de bacon frito à mistura) e queria dar-me ao luxo de variar um pouco. Assim sendo, e visto não ter mais bocas para satisfazer para além minha, podia sonhar alto em termos inventivos. Andavam perdidas há já algum tempo pela mesinha em frente ao sofá duas receitas de risotto que faziam crescer a vontade de experimentar algo do género sempre que as lia. Então estava tomada a decisão - vai de arroz! Alguns senãos se pôem:
1. em casa não tenho risotto (tipo específico de arroz próprio para confecção à moda italiana);
2. dos outros ingredientes da receita escolhida (risotto com cogumelos em detrimento de risotto com pato) muitos também não faziam parte da lista do que preenche a dispensa ou o congelador;
3. tempo... o arroz pede sempre algum tempo para se preparar para ser decentemente consumido e o cinema não estava longe de começar. O compromisso estava tomado e com alguma arte e mestria poderia sonhar com uma chegada em cima da hora à bilheteira; mãos à obra e toca a decidir o que utilizar para adornar o arroz (não risotto).

A receita de referência pedia arroz redondo carnaroli ou vialone nano (não há, vai de carolino), cebolas (check), echalotte picada (não há, aguente-se), alhos (check), vinho branco seco (não há aberto, vai do que está por acabar que é tinto mas servirá), cogumelos selvagens chanterelles e boletus (nunca ouvi falar destes dois, tenho uns champignons congelados e uns cogumelos secos chineses), caldo de galinha (com a gripe vou cortar da lista, até porque não tenho na mesma), manteiga (check), azeite virgem extra (virgem e/ou extra acho que não é mas é do nosso normal e é muito bom), queijo parmesão (também não há, mas tenho uma alternativa que gosto muito mais e que bate o parmesão aos pontos em qualquer lado - o nosso belo queijo da ilha), sal e pimenta (double check).

Dos cogumelos presentes, fiquei-me pelos champignons, porque os chineses precisavam de ficar de molho. Vão para o lume na frigideira de estimação coberta de azeite, bem alto o lume para evaporar toda aquela àgua dos fungos. Enquanto isso os alhos e as cebolas são picadinhos para o passo seguinte: fundir sem colorir numa caçarola de fundo grosso com azeite. Como não sou muito fã de lavar loiça, saltam os cogumelos da estimada frigideira depois de salpicados de sal e pimenta q.b., bem escorridos da gordura que ajudará a dar sabor aos ingredientes seguintes, as cebolas e os alhos. Neste caso dá-se prioriade aos senhores (alhos); as senhoras (cebolas) vão depois, para que elas não 'chorem' sobre eles e os deixem fritar decentemente como é de minha predilecção. 'Golo de Portugal!', oiço eu na sala a tv a gritar, vai de ver a repetição; na volta estão os senhores (alhos) corados de raiva por terem sido abandonados por instantes pela bola na rede. Melhor remédio para acalmar um senhor afrontado que uma senhora que se derrete para ele, não há! Cebolas à frigideira ASAP! Acalmam-se os ânimos e o tiritar que vem daquele leito escaldante acalma os meus piores receios - elas dominam e estabelecem paz na frigideira. Seguindo então; convoca-se o carolino antes que as coisas voltem a aquecer demais, cobre-se toda aquela azáfama com os bagos (sem medidas não sei se foi demais ou de menos, mas se sobrar não se desperdiça, se faltar, ataca-se algo mais depois) e pede-se ao azeite e à recém acrescentada manteiga que abracem calorosamente os novos membros daquela união. Entretanto, a falta do caldo de ave dava uma sensação de que a coisa ia ficar manca. Tendo em conta que o branco seco ia ser substituído por um tinto do alentejo, faria sentido mudar a cor do caldo também. Assim sendo, vai para o lume água com um pouco de caldo seco de tomate e ervas para depois amolecer o carolino. Depois de tentar seguir o tempo de fritura do arroz, é altura de juntar o néctar da uva, de forma a que se evapore. Mais uma vez a olho, pode ter ficado bêbado, mas reduz para o ponto certo e pode-se passar ao próximo passo - acrescentar gradualmente o caldo. Dito e feito, vai uma porção do caldo começar a cozer os bagos e a suavizá-los para o dente. Como estou a utilizar a estimada frigideira (de área mais ampla que uma caçarola) tenho de me precaver para que o caldo não se escape todo pelo ar antes de conseguir actuar da forma desejada, e para isso tenho de 'fechar a porta' ao vapor com uma tampa. Assim que se vai embora a primeira leva de caldo, chega a segunda. Na receita diziam para acrescentar, antes da última dose de caldo, os cogumelos salteados, mas pareceu-me que iam apanhar muita água e que perderiam a crosta ganha no azeite, por isso atrasei essa incorporação para meio da última leva de caldo. Entretanto já tinha ralado o cheiroso queijo de S. Jorge e preparava já tudo para encerrar o lume. De acordo com o receitado, acrescentar mais manteiga e azeite (desta feita o azeite foi um com sumo de limão e alho) no final do arroz estar al dente, e no final polvilhar com o queijo. Estava pronto para ser devorado! E que bem que soube. Não sei se pelo prazer de inventar, se pelo tempo de o confeccionar e ganhar mais apetite, a verdade é que a experiência e a adaptação da receita não me pareceu má de todo. De todo!

Lembrei-me entretanto que ao tentar evitar a repetição do manjar da noite anterior (massa) fui levado a repetir o ingrediente principal do almoço do dia (arroz de peixe), mas naquele momento já não ouvia as lembranças mas sim os instintos. E que bem que sabe seguir o instinto de quando em vez. Olhei para o relógio e reparei que enquanto ainda estava a meio do meu risotto, ainda faltava algum tempo para o início das sessões de cinema, mas estava tudo a saber tão bem que resolvi fugir ao regresso à rotina e aproveitar para fazer as coisas sem pressas. Passada que estava a degustação, veio o sacrifício de limpar a cozinha e lavar a loiça... mas com um pouco de ânimo ganho com tudo o que me trouxe até aqui, uma pitada de força de vontade para levantar do sofá, ponho as mãos na água e trato do assunto celeremente. O cinema fica para outra oportunidade. E a noite de sono será melhor com um estômago bem tratado, as papilas satisfeitas e o instinto realizado.

9 comentários:

Tiago disse...

Pah, eu já provei a massa...é boa...LOL

sara cacao disse...

Só tu para me tirares d'amena cavaqueira, europimba'visão à mistura e eye toy camuflado de hi5 para fugir à sucapa da sala e vir aqui até ao escritório ler o teu blog!...

Duarte disse...

Tirando a parte de não nos estares a fazer companhia e de não presenciares o desempenho europimba'visão (que ficou registado digitalmente de qualquer forma), acho muito bem que tenhas vindo ler o blog, uma vez que foi por me 'picares' que vim escrever nestes tempos de árduo trabalho!

sara cacao disse...

Aqui estou eu de novo à coca de novos posts... Depois de dar ao dente um lombito de vaca mal passado e as sobras da pasta de ontem salteadas em azeite, alho, cebola, tomate - do verdadeiro -, oregãos e pimentas a granel, regado com um fio de vinagre balsâmico... *fiquei a chorar por mais*

sara cacao disse...

Bah! Bah!... Nada de novo... ;)

sara cacao disse...

Postas, queremos postas!...

PS. Queres vir cá jantar bifões hoje à noite ou já tem planos, mas se sim é para deitar cedinho que ainda ando ressacada das noitadas que tenho feito no último mês! :p

Duarte disse...

Quem disse que ser boémio não custa?!?! Como diz a canção do Variações: 'O corpo é que paga!'

Anónimo disse...

sim sr...
mm estando bem satisfeita com o meu jantar, conseguiste por-me água na boca... e q detalhe... queremos convites para uma refeição sua, cheff, com direito a assistir à concepção das iguarias :)

Duarte disse...

Será uma coisa a combinar, minha querida amiga/'cliente' helo! tudo vai dependendo das oportunidades que surjam para eu vos poder presentear com uma refeição.
Espera-se que seja o mais breve possível...

Meanwhile, I have some bad news... due to my recent and unexpected allocation to a new project, I will not have the chance to plan and do the so awaited trip to San Sebastian in your company!!! I'm terribly sorry my dear...